Não tivesse pisado em um chão de fábrica quando ainda era criança e tomado gosto pela tecelagem, a concorrência chinesa e a valorização da moeda brasileira, que torna a compra de produtos de outros países ainda mais atrativa, já teriam feito Cleonice fechar a pequena fábrica que mantém em Americana, no interior de São Paulo. A cidade, que concentra o maior polo da indústria têxtil do Brasil vê, em 2011, o setor - que chegou a representar mais de 80% do PIB do município décadas atrás - perder ainda mais força na economia regional.
A indústria foi o setor mais afetado pela perda de ritmo da economia no terceiro trimestre deste ano. Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta terça-feira (6), o setor teve contração de 0,9% no período, na comparação com o trimestre anterior – o pior desempenho desde o primeiro trimestre de 2009, quando recuou 6,4%.
Odair e Cleonice Pistolato, donos da Cleonice Indústria Têxtil, em Americana (Foto: Anay Cury/G1)
Cleonice Pistolato, 55 anos, divide com o marido Odair a administração de uma indústria que produz tecidos de seda pura - uma das poucas em Americana – e, para conseguir manter seu negócio de pé, trabalha durante todos os dias da semana e não tem hora para ir embora.
Em 2011, com o aumento da entrada de produtos asiáticos e a redução da oferta de matéria-prima, a produção da empresa de Cleonice caiu de 10 mil para 8 mil metros por mês e a máquina mais moderna que possuía, capaz de produzir mais tecido em menos tempo, teve de ser desligada.
“A gente poderia estar produzindo bem mais. Até começamos a modernizar nossa produção, mas a importação acaba nos derrubando. A China põe muita seda no mercado. Antes, havia de quatro a cinco fornecedores de fios de seda. Hoje, por causa dessa concorrência com os chineses, só sobrou um. E o preço acabou ficando mais alto”, contou Cleonice, enquanto mostrava o funcionamento de sua fábrica, que conta com 14 máquinas elétricas de madeira fabricadas entre as décadas de 1940 e 1950 e operadas manualmente por cinco funcionários.
Os números da pequena empresa refletem a desaceleração vivida pelo setor. De acordo com o presidente do sindicato das indústrias do polo de Americana (Sinditec), Fábio Beretta Rossi, o parque fabril da região tem hoje capacidade para fabricar 200 milhões de metros de tecido por mês, mas a produção das máquinas não passa dos 130 milhões.
“Quando houve aquela crise no início dos anos 90, a gente produzia uns 120, 110 milhões de metros de tecidos por mês. Quando chegamos em 2000, essa produção ficou em torno de 80. Daí, houve modernização, em torno de sete a oito anos de crescimento ininterrupto. Em 2005, chegamos a 160 milhões de metros. E agora nós estamos a 120, 130... está voltando ao patamar dos anos 90, e a tendência é de queda para o ano que vem, se nada for feito”, disse Rossi, prevendo que a produção fique perto de 100 mil metros por mês em 2012.
No Brasil, de janeiro a setembro deste ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), a produção do setor têxtil acumula queda de 16,63% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Das 28 máquinas da Pazolin, em Americana, 12 estão paradas (Foto: Anay Cury/G1)
Na indústria de tecidos para decoração Pazolin, também em Americana, a produção recuou, fazendo o proprietário Jailson de Oliveira Fagundes avaliar 2011 como um dos piores anos para o setor. “Eu trabalhei o ano todo com, praticamente, 50%, 60% da minha capacidade. Das 28 máquinas da pequena indústria de Fagundes, que tem 22 funcionários, 12 estão paradas.
No final do ano, a demanda da Pazolin costuma crescer perto de 40%, “na pior das hipóteses”, segundo o dono. Porém, considerando o desempenho dos negócios ao longo do ano, Fagundes já prevê que 2011 fechará sem qualquer crescimento. Com isso, o reforço do quadro de funcionários, que chegava a 15% do total, as horas extras de trabalho e a bonificação oferecida nessa época foram cancelados.
Ao perder mercado para os produtos de fora, em especial para os chineses, que trazem ao mercado nacional tecidos e roupas prontas a preços mais baixos, muitas empresas, mesmo reduzindo sua produção, veem seus armazéns entupidos de tanto estoque sem destino. Antonio Pilotto, dono de uma fábrica de tecidos para decorações, cortinas, capas para sofás e até malhas, disse que há pouco tempo vendia 150 mil metros por mês de gorgurinho, por exemplo. Hoje, conta que não consegue vender nem 30 mil.
"Eu trabalhei o ano todo com, praticamente, 50%,
60% da minha capacidade", disse Jailson
Fagundes (Foto: Anay Cury/G1)
“A indústria está vendendo em torno de seis meses por ano aquilo que seria suficiente para se sustentar. Nos outros seis anos, não consegue atingir essas vendas. Então, aquilo que se programa para você conseguir, de custo, não consegue nesses seis meses. A venda dos meses bons acaba pagando a falta de vendas nos meses ruins. Então, está muito difícil conseguir lucro.”
No galpão de sua empresa, há pilhas de tecidos coloridos, prontos, e Pilotto mal consegue passar nos corredores sem esbarrar nos rolos. “Está vendo tudo isso? São R$ 2 milhões parados. Não tenho mais onde colocar isso tudo, não tem tido saída. Se continuar desse jeito, no ano que vem, vou ter que parar de produzir”, disse.
Empregos
Demanda baixa, estoques altos e concorrência cada vez mais presente se traduzem em diminuição das contratações. A previsão do sindicato das indústrias é que o polo de Americana empregue, formalmente, 3.000 pessoas a menos em 2011, em relação a 2010, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.
De janeiro a outubro deste ano, somente no município de Americana, de acordo com o Caged, a indústria de transformação acumula corte de 328 vagas e, em 12 meses, de 844. Os números mostram que os setores de serviços, seguido pelo de comércio, concentram a maioria dos postos de trabalho abertos no período.
Considerando a indústria têxtil brasileira, que também tem em Santa Catarina um forte polo, de janeiro a outubro deste ano foram geradas 18 mil vagas de emprego, enquanto no mesmo período do ano passado, ficaram perto de 80 mil. No polo de Americana, além de não contratarem mais, muitas empresas tiveram de dar férias coletivas prolongadas ou até mesmo demitir durante o ano e 2011 em todo o Brasil. De acordo com dados do sindicato dos trabalhadores da região, até novembro, foram registradas 2.016 demissões.
Michel Pelissari, 21 anos, é um desses trabalhadores que perderam emprego devido ao mau momento vivido pelo setor. Ele trabalhou durante dois anos e quatro meses em uma indústria têxtil na região de Americana e há pouco menos de um mês teve de deixar o emprego. “Foi uma surpresa, eu me dava bem com todos os chefes. A dona gostava de mim. A gente imaginava que alguém seria demitido, mas não que seria eu. A dona me chamou e, chorando, disse que teria que me demitir e pediu perdão, mas falou que poderia me recontratar em fevereiro, se as coisas melhorassem”, contou o jovem, que agora estuda para trabalhar com informática.
Antonio Pilotto tem R$ 2 milhões de tecidos em
estoque na sua fábrica, em Americana (Foto:
Anay Cury/G1)
“Não demiti porque é política da empresa não demitir em final de ano, porque a perspectiva era melhorar. Então, a gente segurou. Mas na empresa de amigos nossos mandaram pelo menos um terço do quadro de funcionários embora”, afirmou Jailson Fagundes.
O presidente do sindicato que representa as empresas, Fábio Beretta Rossi também lembrou que a alternativa de algumas empresas, a demitir funcionários, foi ampliar as férias coletivas. “Nós temos notícia de que algumas fizeram [ampliação]. Em vez de serem, tipo, dez dias de férias, deram 20 dias.
A empresa de Antonio Pilotto, por exemplo, teria condições de contratar mais 20 funcionários, além do quadro que já possui. “Se fosse olhar hoje, eu poderia ter uns 70 funcionários, mas não chegamos a 50. Tenho capacidade e maquinário, mas isso não é suficiente.” De acordo com dados da Abit, o setor têxtil emprega 1,7 milhão de pessoas - 75% desse total são mulheres – e é considerado o segundo maior empregador da indústria de transformação. Também ocupa o segundo lugar entre os maiores geradores do primeiro emprego.
O ano de 2011 ainda não fechou, mas a estimativa é de que as indústrias que integram o polo de Americana registrem queda de 10% a 15% na comparação com o ano anterior. “Esses números são de pesquisas que nós fazemos com os empresários, não falamos de valor. Umas empresas estão operando com 50% do parque, outras já estão paradas. O ano já acabou para muitas”, contou o presidente do Sinditec.
A diminuição do ritmo de crescimento do setor também tem outros motivos além dos tão falados chineses. Para Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit, há outras variáveis que atravancam o avanço das indústrias têxteis. “Em princípio, o que de pior o setor enfrenta é tributação superior a de outros países emergentes, burocracia infernal, custo da logística, que é o dobro da dos EUA, taxa de juros elevada, subsídios à exportação na China e crise pela qual passa a Europa, por exemplo”.
Michel Pelissari trabalhou por mais de dois anos
em uma indústria têxtil, mas foi demitido há pouco
menos de um mês (Foto: Anay Cury/G1) De acordo com dados da associação, de janeiro a outubro deste ano, o volume de exportações totalizou US$ 2,26 bilhões, alta de 24,40% sobre o mesmo período de 2010. Já quando se fala de importação, o crescimento foi maior, de 34%, passando de US$ 4,12 bilhões de janeiro a outubro de 2010 para US$ 5,52 bilhões no acumulado em 2011. Só da China, foram importados US$ 2,4 bilhões em 2011, contra US$ 1,75 bilhão em 2010.
O que fazer?
Diante de tantas barreiras ao crescimento do setor, que, em Americana, foi responsável por mais de 80% do PIB na década de 1990, e hoje representa 50% do PIB da região, outras alternativas encontradas por alguns empresários são cortar despesas, sem dispensar funcionários, e fazer empréstimos. Ainda que não sejam ideais, estão permitindo que as portas não sejam fechadas.
Para a Cleonice, só sobrevive no setor quem trabalha com equipe reduzida e reduz gastos dispensáveis. “Só não fechamos até agora porque trabalhamos de forma enxuta e com produto diferenciado. Se eu e o meu marido não trabalhássemos aqui, não teríamos condição de contratar mais duas pessoas e ainda ter algum lucro.”
Mesmo diferenciando a oferta dos produtos produzidos em sua indústria, Pilotto teve de fazer mais. “Prejuízo nós tivemos em 2008. Foi sério e estou pagando ele até agora. Agora, para poder tocar o barco, tivemos que entrar no banco, pagar no financiamento. Tem um que vou terminar de pagar em março, ainda de 2008. Quarenta parcelas de R$ 11 mil. Infelizmente precisamos de banco para trabalhar. Tenho R$ 200 mil de despesas fixas por ano. O mês em que eu não produzo, tenho que arrumar um jeito de pagar”, disse Pilotto.
Contra a situação enfrentada, o setor disse ter pedido ao governo que aja para impedir que a indústria têxtil perca mais espaço nos próximos anos. No último dia 25 de novembro, o ministro da Fazenda Guido Mantega, disse que o governo estudaria medidas para estimular a competitividade do setor têxtil. Na ocasião, o ministro disse que o sinal vermelho para o segmento havia sido aceso.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana, Luiz Carlos Martins, a desaceleração pela qual passa o setor têxtil teve menor impacto na economia de America porque , ao longo dos anos, houve diversificação das atividades na região, que deu lugar também aos setores de autopeças, de metalurgia, de tecnologia da informação e de serviços em geral. Hoje, o setor têxtil responde por um percentual que varia de 23% a 25% da economia do município.